Páginas

sábado, 26 de junho de 2021

Um conto modernista de 22 de Jairo Fará



O pentágono


           

Belo Horizonte era uma nova cidade, onde todos eram de fora. Em 1920, a cidade tinha pouco mais de 20 anos. A família tinha vindo de Campanha, o pai era funcionário público. O filho mais velho, Robson, seguia o caminho do pai, que com apoio de políticos o havia empregado na Secretaria de Agricultura. Fernando, o mais novo, era poeta, e escrevia para o Diário de Minas, recebendo um salário insignificante.

O mais velho conheceu uma mulher separada, o que era um escândalo para a época. Leda, tinha 26 anos, um ano a mais que Robson, e hábitos bem refinados. Procurava se vestir como as moças francesas, e tinha uma coleção de corpetes. Lia o que havia de melhor da literatura, inclusive livros eróticos. Estes lidos escondidos, quando sua mãe dava os cochilos da tarde.

Robson desfrutaria dos prazeres da vida com Leda. Como ela não era virgem, não havia culpa em fazer sexo. A maneira elegante de vestir de Leda servia como disfarce para sua forma livre de ser. E ela não se importava de ir para as casas dos amigos de Robson, que facilitavam bastante os encontros amorosos. Para Robson, a única dificuldade era pagar o champagne que Leda considerava essencial, até para as brincadeiras de amor.

Ele era um admirador pobre, não teria como bancar os caprichos de Leda. Mas poderia viver muitas aventuras com ela. Que renderiam muitos contos para o irmão escritor de histórias que...

Fernando, o irmão mais novo seria fisgado por Tatiana, uma linda moça de 22 anos, um ano mais nova que ele, que achava que havia nascido para se tornar uma santa. E isso em sentido literal. Tinha sonhos em que ela havia sido canonizada e vivia para ajudar as pessoas. Algo bonito, mas que a fazia pensar que não deveria se casar. O poeta também pensava que precisava da liberdade de poeta, inclusive a liberdade para morrer cedo por uma vida boêmia.

Ele dividia seu tempo com os contos que escrevia para o Diário de Minas, seus poemas, amigos, boemia, e a angústia de não se dedicar à militância anarquista. O máximo que fazia era beber muito com seus amigos anarquistas, e dois ou três poemas utópicos resultantes destas noites. No mais, sua literatura queria liberdade.

 






À noite era comum encontrar com seus amigos escritores no alto do Viaduto Santa Tereza para longas conversas sobre a literatura e a vida, ou vice-versa.






 

Num evento de artes plásticas, com a presença de pintores cariocas e paulistas, Fernando foi convidado para ler seus poemas. Foi visto por Tatiana. Ela ficou confusa, sentiu algo estranho. A sensação que tinha era de que o poeta a havia transportado para um mundo novo. Algo que transcendia sua compreensão. Que ela precisaria rezar muito para esquecer. Fernando não havia notado nada.

Enquanto isso seu irmão Robson vivia muitas loucuras de amor com Leda. Mas o gozo só era completo depois que os dois liam juntos o conto que seu irmão Fernando havia escrito, baseado na última aventura de amor. Era um triangulo amoroso: Robson, Leda e a literatura. Todos os três personagens com igual importância. Mas com o tempo a literatura foi se tornando o centro, ganhando destaque, crescendo, envolvendo os dois.

Já Fernando parecia não ter muita sorte no amor. Até que teve a oportunidade de conversar com a linda Tatiana. Foi uma conversa de horas e horas, que não havia como parar. Os dois não viam o tempo passar, o anoitecer, o frio chegar. Mas foi apenas uma conversa. Afinal Tatiana achava que seria uma santa. Por isso, de repente, ela saiu apressada para casa, preocupada com o horário.

Daí começou uma amizade. Ela começou a ler os poemas de Fernando, sempre maravilhada. Até que um dia, ele passa para ela os contos...

Foi a ampliação do triângulo amoroso. Mediados pelos contos se formou um pentágono amoroso: Robson e Leda – contos – Fernando e Tatiana. Mas os dois últimos entravam como leitores e imaginadores na relação. Ela ainda estava convicta a virar freira, acreditava que no convento esqueceria as histórias de Fernando.

No entanto, agora era Leda que escrevia contos criando encontros amorosos cheios de fantasias entre Fernando e Tatiana. E depois os passava para Fernando.

Num dia, com maior ousadia, Fernando desafiou Tatiana. Fez uma aposta. “Se atravessar os arcos do Viaduto de Santa Tereza por cima, você me dá um beijo.” Como Tatiana achava isso impossível disse “claro”. E perdeu aposta... Além disso, ganhou de Fernando os contos proibidos escritos por Leda, que não podem ser revelados aqui, afinal, caro leitor, você não faz parte do pentágono amoroso...








Jairo Fará é um dos notáveis passantes da cena artístico-literária mineira em ebulição. Multiartista, transita com desenvoltura modernista, risonha, pela poesia verbal e visual, pelo cinema, pelas artes plásticas e pela perfomance. Estreou em 2011 com os poemas brincantes de O ovo do minerim pela Jararaca Edições, quando ainda assinava "Jairo Faria". Desde então, vem publicizando suas produções constantemente no impresso, em galerias e no virtual sob o nome de "Jairo Fará" numa demonstração de intensa atividade criativa. Seu último trabalho, divulgado pelas redes sociais, é Papelão social, um livro-objeto com evidente potência crítico-política, traço distintivo do autor. A imagem anônima é representação do viaduto de Santa Tereza em BH sobre cujos arcos o jovem Drummond gostava de se equilibrar nos anos 1920.