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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Cinco poemas de Anelise Freitas







O POEMA #08

você
escrevendo com outro
nome e eu
clicando no about

você
não dorme há
duas semanas
desde que eu te conheci
dreamisdestiny

teus
olhos caídos em novembro
e a boca carnal
e vermelha
e aberta
e o cabelo trançado

her
friends e ela;
gosta tanto de poema
e misturar línguas
e eu também











O POEMA # 21 (ou a mãe doce)


dizem:
do cabelo da bisavó
pingava mel,

recém pintado de abelhas

mãezinha do céu
falou assim:
daquelas histórias tão açucaradas

na voz calma
vó índia
mãe doce
chamavam



O SEM TÍTULO 9

tua língua e a minha
dançavam ao lado
das duas bocas
e os lábios











COSME & DAMIÃO



Em frente à igreja dos pretos –
a velha igreja do Rosário
– batem o tambor &
jogam essência de criança no chão.
O homem mais velho dizia que
naquela roda só dançava mulher
e ria, dizendo:
“tô cantando pra Cosme & Damião,
será que ele não vai brincar?”
E brincava.
Depois do porão e da poesia,
E todos falando.
Embora falar seja verbo transitivo, com entrada dos dois lados
e poesia
não se explique:
Explico:
Queria falar dizendo,
mas estou numa poesia.
(Se ajeita eu-lírico.)
E tudo roda.







  
POR ENQUANTO NÃO HÁ PREVISÕES DE MUDANÇA,
PODE SER QUE MORRA NA VOLTA


Jailson Kokeru dizia naquela tarde azul
que nasceu na cidade da Praia, Cabo Verde,
onde todos falavam português quatro horas por dia
(na escola) e crioulo na vida.
Os homens mais ricos daquela região
ainda andam sujos do serviço.
Dizia que em Angola e Moçambique se fala o português como unidade
e alguns dialetos em paralelo.
Naquela tarde azul descobri que Cabo Verde ainda guarda heróis
mais cheios de vida do que Vascos da Gama, Tiradentes
ou escritores em língua portuguesa de Portugal.
Falamos brasileiro, ora pois.
Isso não é um poema.

(Você sabe exatamente como eu fico.)

Já botei os dedos cruzados entre a boca e disse:
- Eu preciso dar um grito!

É isso.

- Leoa!,
é como te chamam quando cerra esses dentes
e fecha essa cara e pende
as sobrancelhas castanhas
e joga a juba para os lados e fuma

ou quando olha pra cima, vendo
o fogo pegar nos teus braços
e aponta pra mim e diz
: tu!
E os teus quilômetros de pescoço
e os teus lábios de Brando
e os nossos óculos iguais

e o que você queria que eu dissesse
com teus cabelos surrados?
O corpo curvado e a promessa dos seios;
O que?
(Toda roupa lhe cai bem,
assim como as palavras.)

E quando eu digo que odeio Copacabana
você me agarra a boca e ri.

Eu sei de todo o teu corpo
(menos onde nasce esse sorriso
e como isso flutua no meu corpo
como a fumaça do Marlboro
vermelho (como a nossa pele)).










Desconcertante é a voz da jovem poeta Anelise Freitas, habitante da zona da mata mineira. Estreou em 2011 com a coletânea Vaca contemplativa em terreno baldio (Aquela Editora), publicando em 2013 O tal setembro (Os 4 Mambembes). No momento, prepara a plaquete Pode ser que eu morra na volta (Edições Macondo). Reside em Juiz de Fora, onde é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da UFJF e um dos membros do Grupo de Performances Poéticas ECO. As imagens são do singular fotógrafo Eustáquio Neves, mineiro de Juatuba radicado há anos em Diamantina, inventor de narrativas visuais que fundem elementos díspares, negros e brancos, urbanos e rurais, sagrados e profanos, numa permanente exploração das fronteiras entre as dimensões objetiva e subjetiva da vida cotidiana.

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